24/09/2017

CRÓNICAS DO CORAÇÃO DO MINHO (4) - Um País de Vanguarda (Parte I)

UM PAÍS DE VANGUARDA
(Primeira parte)

Senti um genuíno interesse na leitura de “Conquistadores – Como Portugal Criou o Primeiro Império Global”, de Roger Crowley. Este autor, que escreveu diversas obras de história, também nesta procurou avidamente o rigor, sendo inevitável que teve, para tal, de efetuar uma vasta investigação, baseada numa imensidão de documentos da época e traduções existentes. Inicialmente, não dá mostras de pretender enaltecer as qualidades dos portugueses, enquanto povo de vocação marítima, pois retrata muitas das suas fraquezas, ocultadas nos livros convencionais da história de Portugal. No entanto, acaba por relatar “como uma das nações mais pequenas e pobres da Europa pôs em movimento as forças da globalização que hoje dão forma ao mundo” e viveu a sua época de ouro no século XVI, temida (pelo poder dos canhões da artilharia marítima), respeitada (pela ousadia e também pela oportunidade de comércio) e odiada (tanto pelos muçulmanos, face à obstinada cruzada para “o extermínio do islão e propagação da cristandade sob um monarca universal[1]”, e por todos aqueles que perdiam direitos e influência, à medida que as naus portuguesas iam avançando rumo à expansão territorial e comercial). As iniciativas do rei D. Manuel I – que viria a assumir o título de “rei de Portugal e dos Algarves, Senhor do Comércio, da Conquista e da Navegação da Arábia, Pérsia e Índia” – tiveram a bênção papal, com direito à “posse perpétua das terras conquistadas aos infiéis, onde outros reis cristãos não tivessem reivindicações”.

É certo que naquela época houve um enorme esforço na construção de naus, canhões de bronze e outro armamento, angariação de tripulação e preparação das viagens, mesmo fazendo uso do ouro da Guiné e dos bens de judeus expulsos. Essas viagens realizavam-se em condições difíceis: elevado risco; desconhecido; hostilidades encontradas; insuficiente provisão de água doce e falta de lugares para abastecer; falta de géneros alimentares frescos e, principalmente, de citrinos, que tanto dizimaram tripulações. Mas com as boas notícias trazidas da Índia, no regresso de Vasco da Gama (mesmo que a viagem ficasse ensombrada pela perda de dois terços da tripulação), também houve um excelente trabalho na ocultação de segredos – obtidos com muito sangue, suor e lágrimas – e na divulgação dos êxitos, que chegaram aos pontos estratégicos da Europa e, em particular, Veneza, Génova e Florença, que detinham o monopólio do comércio de especiarias (vindas por terra, até ao Egito).

No final daquele reinado, ao nível de imagem exterior, Portugal estaria no auge, muito favorecido pelo comércio florescente, que seria fruto de um “projeto, simultaneamente, imperial, religioso e económico”. Tal, foi sustentado pela influência dos padres, monges e cavaleiros da Ordem de Cristo e dos astrólogos reais, mas acima de tudo pela obstinação de um monarca que, tendo herdado a coroa do primo – D. João II – acreditava “num destino messiânico” e predestinado a estes feitos. Arrogando-se “ter herdado o manto do seu tio-avô – o Infante D. Henrique, ‘O Navegador’ –, invocou obediência à sua missão divina” para prosseguir, perante a oposição da nobreza. Agora, seria um país ainda mais forte do que o de D. João II, anterior monarca que teve o arrojo de discutir e fazer aprovar o tratado de Tordesilhas, com os reis católicos Fernando de Aragão e Isabel I, “regateando a posse do mundo”, que dividido em dois seria pertença de Portugal e de Espanha, mais uma vez com a bula papal.

Entre imensos factos surpreendentes, realça-se a iniciativa e o secretismo de D. Manuel I no envio de emissários “a Henrique VII, em Inglaterra, ao rei Fernando de Aragão, em Espanha, a Júlio II [papa], a Luís XII, em França, a Maximiliano I, sacro imperador romano, convidando-os a participar numa cruzada naval pelo Mediterrâneo até à Terra Santa”, mas em que houve falta da resposta esperada. No entanto, D. Manuel I manteve firme a ideia de “destruição do bloco islâmico”, rotulado de “infiéis”. Em julho de 1505, “o papa concedeu a D. Manuel I um imposto de cruzada que poderia ser cobrado durante dois anos e remissão de todos os pecados para quem nele participasse”. Convenhamos, seria reconfortante e uma atenuante para quem participasse nestes ferozes combates, saber que todo o mal causado a outrem ficaria livre da condenação divina.

(Continua)

© Jorge Nuno (2017)




[1] Uma xilogravura de 1514 mostra-nos o rei D. Manuel I no trono, tendo à sua direita e esquerda, respetivamente, as armas do reino e a esfera armilar e, ligado ao ceptro real, uma fita com “DEO IN CELO TIBI AVTEN IN MVNDO” (A Deus no Céu e a Ti na Terra), o que faria a “ligação entre o terreno e o divino, perspetivando-o como um soberano universal a “aspirar ao título de imperador de um reino messiânico cristão”.  

08/09/2017

CRÓNICAS DO CORAÇÃO DO MINHO (3) - Portugal Sempre a Surpreender

PORTUGAL SEMPRE A SURPREENDER

Portugal sempre a surpreender! Uma notícia da TVI24, do dia 6 deste mês, dava conta que Portugal surge no ranking “Expat Insider”, da Internations, como o quinto melhor país do mundo para as pessoas que saem do seu país e decidem ir viver e trabalhar para outro. Num conjunto de 65 países mundiais, é mesmo considerado o melhor de todos a nível europeu! Teve uma subida surpreendente, pois em 2016 encontrava-se em 28.º lugar, entre os mesmos 65 países. Igualmente surpreendente é o facto de, ao nível de qualidade de vida, também estar no topo do ranking e igualmente “em primeiro na forma como os expatriados se sentem bem recebidos”. Decididamente, os portugueses são um povo generoso e que irradia simpatia.

Foi evidente essa generosidade com a desgraça alheia, quando ocorreram os descontrolados incêndios deste verão no centro do país. No final de julho falava-se no apuramento de cerca de 13, 14 ou… 15 milhões de euros, quando também se dizia terem sido recolhidos 24 milhões de euros. Isto, depois de se registar de imediato uma enorme onda de solidariedade e terem sido abertas cerca de duas dezenas de contas solidárias. Em 5 de setembro, os jornais “i” e “negócios” noticiavam que os autarcas dos três concelhos mais afetados questionavam para onde terá ido esse dinheiro, deixando no ar a suspeição que terá havido desvio de verbas. Também lhes parece evidente a falta de controlo por parte de entidades oficiais [do Estado], já que não há um número definitivo e oficial. Foi mesmo defendido que o Ministério Público deveria investigar “as contas abertas para recolha de fundos para as vítimas e o destino que lhes estava a ser dado”, devendo envolver-se o Banco de Portugal, para se saber quais as entidades envolvidas, os montantes movimentados e respetivo destino do dinheiro. Alegam também que as contas abertas no estrangeiro são ainda mais difíceis de controlar, receando desvios, pelo que deve haver investigação e dadas as devidas respostas às questões levantadas. Imediatamente, o presidente da República veio a público referir que quer ver este assunto esclarecido.

Os números que circulam são os seguintes:
– a União de Misericórdias terá recolhido cerca de 1,2 milhões de euros, depois noticiado, numa peça da TVI, como sendo 1,8 milhões, com conta solidária na Caixa de Crédito Agrícola, de que terá prestado uma ajuda de 12 mil euros;
– a Cáritas de Coimbra conseguiu cerca de 900 mil euros, noticiado depois como tendo angariado também 1,8 milhões de euros, através da conta solidária no Novo Banco, e terá gasto 100 mil euros em ajuda, encontrando-se 1,3 milhões de euros cativos na Cáritas de Coimbra devido a compromissos com o REVIVA – um fundo de solidariedade para coordenar a entrega de verbas, criado pelo governo de Portugal –;
– o REVIVA terá recebido 2 milhões de euros de contas solidárias no BCP, Santander Totta, Montepio Geral e BPI, faltando regularizar 3 milhões de euros, num total de 5 milhões de euros;
– a Fundação Calouste Gulbenkian é depositária de 3,6 milhões de euros, com conta solidária na CGD, que articula a intervenção com o fundo REVITA;
– a Associação Portuguesa de Seguros angariou 2,5 milhões de euros e terá efetuado compensações de 1,5 milhões de euros.
Quanto à intervenção do Fundo REVITA, não terá sido possível quantificar a ajuda prestada até ao momento e foi anunciado que os gastos estarão sujeitos a auditorias externas.
A disparidade dos números apontados fala por si. Entretanto, no terreno, há queixas quanto à falta de celeridade e não chegada dos apoios esperados e anunciados, mesmo que por ali prestem auxílio, na reconstrução, uma imensidão de voluntários e muitos arquitetos e outros profissionais da construção civil.

Enquanto se aguarda:
– por desenvolvimentos no que toca a apuramento de responsabilidades (falhas do SIRESP, MAI, GNR, Proteção Civil, Bombeiros, eventual desvio de verbas…);
– pelos efeitos práticos dos tribunais na condenação dos mais de cem incendiários, reincidentes ou não, detidos pela PJ e, provavelmente, sujeitos apenas a prisão domiciliária, com pulseira electrónica, em tempos de época de maior risco de incêndios florestais;
– pela reconstrução das casa ardidas e redesenho do território florestal;
– pelo refazer do tecido empresarial e pela retoma da economia e empregabilidade na região…
é possível centrar a atenção noutro tipo de estoicidade e capacidade de sofrimento e de entrega dos portugueses, e por que não enaltecer os feitos gloriosos e, mais uma vez, surpreendentes, de atletas portugueses em diversas provas recentes?
– Inês Henriques, aos 37 anos, sagrou-se campeã do mundo, em Londres, e bateu recorde nos 50 km marcha, com o tempo de 4h 05m 56 s;
– Fernando Pimenta, um minhoto de Ponte de Lima, no espaço de dois dias, sagrou-se vice-campeão do mundo em canoagem K1 1000 metros e campeão do mundo em K1 5000 metros, provas que decorreram na República Checa;
– A seleção de Portugal de hóquei em patins sub-17 sagrou-se campeã europeia, em Itália, ganhando o 14.º título em 37 edições da prova e, a de sub-20, sagrou-se tricampeã do mundo, na China, liderando o ranking de vitórias em campeonatos do mundo, na categoria;
– Ricardo Pinto sagrou-se campeão do mundo em patinagem artística, na categoria de dança solo; Pedro Walgode, conseguiu a medalha de bronze na mesma categoria e a irmã, Ana Walgode, sagrou-se vice-campeã feminina, “tornando-se a primeira mulher a conseguir uma medalha num campeonato do mundo em dança solo sénior”. Este campeonato mundial decorreu na China;
– Vanessa Fernandes, medalha de prata na prova de triatlo nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, venceu a primeira edição do Ironman 70.3 Portugal, em Cascais, com o tempo de 4h 33 m 12 s. Trata-se de uma modalidade extremamente exigente, composta por natação (1900 m), ciclismo (90 km) e corrida (21,1 km). Nesta prova houve um recorde de 2200 triatletas de 66 nacionalidades, havendo 72% de estrangeiros. O próprio presidente da Federação de Triatlo revelou mostrar-se surpreendido com estes números, e a campeã portuguesa – que fez uma “longa travessia no deserto” –, emocionada à chegada, deixou transparecer ter ganho uma alma nova, entendendo o feito como “um recomeço de uma nova carreira”.

Disse Sally L. Smith, no seu livro “Vencer na Adversidade”: O pensamento positivo revigora as forças. Faz-nos concentrar no melhor que temos dentro de nós e ficar abertos a possibilidades infinitas”.

Em Ponte de Lima, na habitual animação nortenha, juntaram-se 897 tocadores de concertina, a tocar ao mesmo tempo a mesma música popular; bateram um novo recorde mundial do Guiness, que pertencia a Vila Verde (Braga). Em Castelo Branco, depois de uma corrida solidária muito participada, surge agora a Meia Maratona (21 km) designada “Corrida da Felicidade”.

Independentemente de outros terem comportamentos desviantes… há que ter presente o refrão da canção coimbrã, na voz de Luiz Goes: “É preciso acreditar! É preciso Acreditar!”. E podemos acreditar que Portugal e os portugueses continuarão a surpreender, cada vez mais, pela positiva.

© Jorge Nuno (2017)