26/05/2017

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (59): Crónica "Modo de Olhar"

MODOS DE OLHAR

Quando me preparava para iniciar esta crónica li a frase, citada in The Nag Hammadi Library: “Reconhece o que está à vista e aquilo que está escondido de ti tornar-se-á claro aos teus olhos”. Reconheço que o entendimento da frase não é fácil. É que a vida surpreende-nos, a cada dia, com factos inesperados, tanto pela positiva como pela negativa, sem que aparentemente possa haver qualquer controlo e previsibilidade da ocorrência para que, perante o que os nossos olhos veem, haja uma clara justificação dos factos ou do alcance dos mesmos.

Um desses factos passou-se com Nicky Hayden, americano, de 35 anos. Trata-se de uma lenda do desporto motorizado, piloto da Honda em Moto GP e campeão do mundo em 2006, nesta categoria. Foi anunciado que não resistiu aos ferimentos causados por um acidente em Rimini, em Itália. Não, não foi em corridas de moto… foi abalroado por uma viatura ligeira, quando seguia de bicicleta. Soube-se que a última dádiva do piloto terá sido a doação dos seus órgãos, desejo que terá sido cumprido pela família.

No exterior do Manchester Arena, em Inglaterra, logo após a conclusão do espetáculo da cantora americana, Ariana Grande, que contou com a presença de cerca de 21000 espetadores, um bombista suicida fez-se explodir. Com número de mortos a rondar vinte e dois e o número de feridos a ultrapassar os cem, dos quais vinte e três em estado muito grave e, como sempre nestas circunstâncias, o pânico instala-se e leva a que estes números reflitam também casos de espezinhamento, na tentativa de fuga. De imediato sobressai uma onda de solidariedade e gestos bonitos. Moradores a oferecerem camas às pessoas afetadas pelo atentado. Taxistas a oferecerem transporte gratuito a quem fugia daquele local. Uma senhora, de 48 anos, que estava próxima da estação de Victoria, a pedir aos jovens (que fugiam), para a seguir, tendo encaminhado cerca de cinquenta, que correram com ela para o Hotel Holiday Inn Express e onde deu conhecimento da notícia via Facebook, localização e número pessoal de telemóvel, para tentar sossegar os pais que não sabiam dos filhos. Dois sem-abrigo, um de 33 anos e outro de 35 anos, que se encontravam no local, em vez de fugir terão ajudado várias pessoas, incluindo crianças e viraram “heróis” improváveis; um deles, devido à visibilidade nos meios de comunicação social, terá agora oportunidade de reencontrar a sua mãe, com quem tinha perdido o contacto há anos; ao outro foi oferecido alojamento por 6 meses. Na manhã seguinte, estiveram juntos os líderes das várias comunidades locais, para mostrar união e solidariedade. José Mourinho – que já foi considerado o melhor treinador de futebol do mundo e que muitos têm vindo a dizer que já não tem a garra de outrora para estas lides, ao deixar o Manchester United em 6.º lugar na Premier League, nesta época, apesar de ter vencido a Supertaça e a Taça da Liga –, 48 horas depois do atentado em Manchester contribuiu para atenuar o sofrimento dos habitantes desta cidade ao conseguir com que o Manchester United ganhasse a final da Liga Europa, e tivesse entrada direta na Liga dos Campeões; tal, possibilitou que um simples jogo de futebol ajudasse a elevar o moral de quem se sente atacado.   

Mário Centeno, ministro das Finanças, foi por diversas alturas contestado e ainda se insiste com audição na AR – Assembleia da República, a propósito do caso dos “Offshore”. Foi igualmente contestado, de forma dissimulada, por algumas figuras de proa nas instâncias europeias, como é caso de Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças alemão. Este último, em outubro de 2015, desagradado por não ficar a governar o partido vencedor das Legislativas, referiu que Portugal estava a ter sucesso até à chegada do novo Governo [liderado por António Costa]. O mesmo, em fevereiro de 2016, “encorajou fortemente” a equipa do ministério das Finanças de Portugal “a não fugir ao rumo bem-sucedido que vinha sendo seguido”, para em junho de 2016, deixar o cutelo no ar, como possibilidade de haver um segundo resgate, insistindo na necessidade de cumprimento das regras europeias. Agora, Centeno anuncia: a boa notícia (ainda sob a forma de previsão) de que a economia deverá crescer 3% no segundo trimestre de 2017; reforça a ideia do controlo das finanças públicas e estabilização da dívida pública; através da UTAO – Unidade Técnica de Apoio ao Orçamento quer antecipar o pagamento de parte da dívida ao FMI – Fundo Monetário Internacional, entregando-lhes 7,2 mil milhões de euros em 2018 e 2019, permitindo poupanças ao Estado, em juros. Durante um ano, Centeno assume a presidência do Concelho de Governadores do BEI – Banco Europeu de Investimentos, instituição que em 2016 teve um volume de financiamento de 83,75 mil milhões de euros, dos quais 1,486 mil milhões foi direcionado para a linha de crédito da banca portuguesa, para apoiar as PME – Pequenas e Médias Empresas, para requalificação urbana e para a Indústria. Depois de Mário Centeno entregar o pedido e ver concedido a saída de Portugal do PDE – Procedimento por Défice Excessivo, não deixa de ser curioso saber que Wolfgang Schäuble ter-se-á referido a Centeno como o “Ronaldo do ECOFIN”. Paira ainda no ar a hipótese de vir a suceder ao presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, apesar de lhe ter sido pedido pelo presidente da República e primeiro-ministro para o não fazer.

Em fevereiro deste ano, no dia dos namorados, no Theatro Circo, em Braga, senti que a assistência estava rendida perante a atuação da Luísa Sobral. Eu era um deles. A meio do espetáculo apresentou uma surpresa: o Salvador. Chegado à boca de cena, com ar algo estranho, limitou-se a um tímido “olá”, provocando risos, e ainda mais quando a Luísa Sobral afirmou que tinham combinado que ele só diria aquilo. Cantou uma canção, sem letra, como quem está a trautear de improviso e saiu-se bem, embora continuando a soar a estranho para o público. Mais estranho pareceu quando venceu o Festival da Canção, que o obrigou a ir ao Festival Eurovisão da Canção e viria a ganhar com um resultado histórico – a maior pontuação alguma vez atribuída a uma canção – 758 pontos e ainda por cima cantada em português! Na noite do Festival da Eurovisão, estiveram cerca de 2,4 milhões de portugueses a ver a RTP1, tal como se fosse um dos decisivos jogos da seleção nacional de futebol. Disse que nunca tinha visto esse Festival e mostrou a sua imagem anti-vedeta. Quando foram ambos entrevistados na RTP1, a irmã disse que o “segredo foi levarmos uma coisa genuína e sem o intuito de ganhar”. Disse ainda que quando escreveu ”a canção não era para ganhar mas para a voz do meu irmão”. Por sua vez, ele afirmou que “a Luísa tem canções muito mais bonitas do que Amar pelos Dois”. Destaco, da entrevista, a frase da Luísa Sobral: “É bonito quando algo parece ser impossível para o país, e conseguimos provar o contrário!”

Na verdade… estamos sempre a ser surpreendidos. Já dizia Wayne Dyer (autor americano, com vários livros de auto-ajuda): “Mude o modo como você olha para as coisas, e as coisas que você olha mudarão”.

© Jorge Nuno (2017)

  

12/05/2017

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (58): Crónica "No Centenário das Aparições"

NO CENTENÁRIO DAS APARIÇÕES

Há, sobejamente, produção literária que chegue sobre as aparições na Cova da Iria. Mas a tentação de escrever é enorme, até porque a temática dá visibilidade e “vende”, como se vende tudo o que se relacione com o evento, tornando-o um excelente negócio. Há os que escrevem, em vários géneros e estilos, para desmistificar e até apontar o “fenómeno” como uma fraude e outros que, de uma forma apaixonada, valorizam a fé e apontam o local como o “Altar do Mundo”.

Na atualidade, não tenho condições, nem vontade, para investigar e procurar aquilo que seria a minha “verdade” e depois escrever sobre o assunto. Não quero ser mais um a escrever e acabar por não dizer nada. Negócio com a escrita não faço, daí estar mais à vontade para o fazer, sem quaisquer contrapartidas financeiras nem outras motivações, inclusive religiosas. Há a noção que escrever uma crónica é diferir a notícia. É sob a forma de crónica que o farei, adoçando-a (ou talvez a azedando) com um pouco do meu sentir, sem o intuito de querer influenciar a crença, ou não crença, de cada pessoa que vier a ler este texto.

Lembro-me que ao longo das minhas duas décadas de vida sempre pairou no ar a ideia de fraude, vindo de várias fontes. Procurei documentar-me e ler sobre o assunto; foram várias a obras e, na primeira, calhou-me em “sorte” o livro “Fátima Desmascarada” de João Ilharco, que tem como subtítulo “A verdade histórica acerca de Fátima documentada com provas”. O livro enumera uma enormidade de contradições, induzindo o leitor a que tudo não passou de uma trapaça. Chega a ser referido que António Santos – conhecido como o “abóbora” –  pai de Lúcia, uma das três crianças que dizem ter avistado e falado com Nossa Senhora ou Senhora do Rosário, mencionou o seguinte ao filho de Artur Oliveira Santos, administrador do concelho, que em agosto de 1917 terá interrogado as crianças: “O senhor administrador não acredite na minha filha, que ela é uma intrujona”. A seguir, foi a obra de Urbano Duarte, diretor do Correio de Correia, que intitulou “Desmascarado o autor de Fátima Desmascarada”, como resultado de troca de opiniões entre ambos. Depois surgiu o livro “Fátima Nunca Mais”, do padre Mário Oliveira, como resultado do escândalo gerado pela resposta “Não”, que deu num debate, ao perguntarem-lhe: “Acredita nas aparições de Fátima?”. E mais se seguiram… até que, por uns tempos, resolvi abrandar com este tipo de pesquisas, que me faziam despender tempo e energias. Em ano de comemoração do centenário, o mercado literário reanima-se e destaco apenas duas obras saídas recentemente: “Fátima - Milagre, Ilusão ou Fraude”, de Len Port, jornalista (cético) da Irlanda do Norte, em que a editora Guerra & Paz / Clube do livro SIC, apresenta-o como “um livro intenso e polémico, destinado a informar e provocar mentes abertas e curiosas.   “A Senhora de Maio – Todas as perguntas sobre Fátima”, de António Marujo, com o prémio Jornalista Europeu de Religião do Ano (1995 e 2006), o qual foi atribuído pela Conferência de Igrejas Europeias, e de Rui Paulo da Cruz; uma das muitas perguntas formuladas nesta obra é “Fátima é fruto da imaginação de três crianças e da imposição do Clero ou revela uma forte experiência espiritual?”

Pelos meus treze anos também tive uma forte experiência, que poderia ter sido fatal, mas que se revelou “mística” e, seguramente, contribuiu para aguçar a minha curiosidade e promover o meu desenvolvimento espiritual. Como criança, não podia passar por “intrujão”, pois só depois de casado é que fiz algumas revelações do facto (e a poucas pessoas, com quem tinha intimidade). Também não estou a imaginar o meu pai a desculpar-se do filho, por ser “intrujão”, embora a época e a pressão exercida fossem diferentes.

Tenho seguido o velho ditado: “Presunção e água benta, cada qual toma a que quer”. Felizmente, tenho amigos em todos os quadrantes, alguns opostos, e tenho a tendência a respeitar as suas opiniões; e longe de mim querer mudá-las. Mas um deles, que se diz ateu, deixou escapar que lhe apareceu a avó, já falecida. Se um adulto, pessoa em que não há razões para deixar de acreditar, ainda mais por se dizer ateu, refere ter visto a avó já noutro plano, então parece fácil de aceitar que qualquer outra entidade se possa manifestar, das mais variadas formas, e por que não a mãe de Jesus de Nazaré, admitindo que a Senhora do Rosário avistada pelas crianças seria ela?

Certo é que Fátima tornou-se “obrigatório” nos circuitos turísticos na zona centro, de que beneficia a região. Certo é que multidões de peregrinos, apesar do meu tempo, acorreram ao local, a pé e por outras vias, provenientes de Portugal e outras partes do mundo. Certo é que é escandalosa a especulação do comércio, em torno de Fátima, nesta ocasião, desde preços proibitivos para uma simples dormida, até um babete de criança, com qualquer alusão ao Papa. Certo é que o Papa Francisco programou uma visita rápida a Fátima, para celebrar a comemoração do centenário das aparições e canonizar Francisco e Jacinta, o que obrigou a mais uma “revolução” na prática da Igreja Católica, tornando-as as únicas crianças, não-mártires, a ser declaradas “santas”. Certo é que, com essa visita, o governo de Portugal deu tolerância de ponto aos funcionários públicos no dia em que o Papa Francisco chegou a Portugal, o que gerou muita polémica entre deputados do maior partido que sustenta o governo, argumentando a “imaturidade do regime” e por não mostrar a laicidade, que diz ter. Certo é que o Papa Francisco, pela ousadia de querer mudar o status quo, chegando a dar pedradas no charco com expressões como “É melhor ser ateu do que um católico hipócrita” ou “Os ateus que seguem a sua consciência são bem-vindos no céu” (que o Vaticano se apressou a desmentir a ideia), ele próprio terá consciência de que o quererão matar. Certo é que, com base numa notícia do jornal “Sol”, datada de 21 de dezembro de 2016, a visita do Papa Francisco a Portugal obrigaria a um investimento de cerca de 100 milhões de euros em infraestruturas das forças de segurança do país, tendo a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, referido que essa verba seria “oriunda da venda de património que reverterá, exclusivamente, para a requalificação das infraestruturas”. Certo é que Papa Francisco dirigiu-se ao “querido povo português”, em português, num vídeo de 4 minutos, e diz vir a Portugal como peregrino ao Santuário de Fátima, “na esperança e na paz”, para rezar por todos “sem excluir ninguém” [não o fazendo, portanto, na qualidade de chefe de estado].

Bem-vindo, Papa Francisco – homem que admiro, particularmente pela sua coragem!


© Jorge Nuno (2017)  

02/05/2017

BIRD MAGAZINE, Vol. 1 - O pouso das palavras, o voo das opiniões.

O próximo livro, em coautoria, e o primeiro de crónicas (em que participo). 
Será organizado pela BIRD Magazine, 
para onde escrevo quinzenalmente, 
e editado pela Chiado Editora.