27/08/2016

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (42) - Crónica: "Só Faltou Um Bocadinho Assim..."

SÓ FALTOU UM BOCADINHO ASSIM…

Após 19 dias de competição, terminaram os Jogos Olímpicos (JO) no Rio de Janeiro. Estiveram em disputa 42 modalidades, em 306 provas, que valeram 136 medalhas para atletas femininas, 161 para atletas masculinos e 9 para mistos. Neles, estiveram envolvidos os melhores atletas do mundo, de todas as modalidades acreditadas.

Muitas dúvidas pairavam no ar quanto à capacidade organizadora do Brasil num evento desta grandeza – tão só, o maior acontecimento desportivo à face da Terra! Antes da chegada dos atletas à “aldeia olímpica” eram bem visíveis as preocupações relacionadas com a segurança e com as queixas apresentadas por algumas delegações. Houve quem aproveitasse a ocasião mediática do evento para, na cidade de acolhimento, denunciar a insatisfação com políticas internas e com os gastos exagerados com as infraestruturas dos JO. No final dos mesmos, o presidente do Comité Olímpico Internacional (COI) disse ter sido um desafio ganho e deu ênfase ao saldo positivo.   

Reconheço ter vibrado, entusiasticamente, com a cerimónia de abertura, também com algumas modalidades (para referir apenas, a título de exemplo, a espetacularidade e perfeição na natação sincronizada e na ginástica rítmica) e com os feitos desportivos, particularmente, pelos recordes olímpicos e mundiais que foram batidos. Realço modalidades como: ciclismo (sendo aqui, importante o trabalho de cientistas, relacionado com o piso, tecnologias e equipamentos, que redunda numa melhoria da performance e consequente sucesso desportivo, verificado nos 19 recordes olímpicos batidos); atletismo, com recordes nas categorias de 400 m, 3000 m obstáculos, 5000 m e 10000 m; natação, com 24 recordes olímpicos e 7 mundiais, em categorias como 100 m peito, 100 m costas, 800 m e 400 m livre, 100 m borboleta, 400 m medley e 400x100 m livre…

Senti um misto de satisfação e tristeza, por ver uma equipa representativa da autodenominada “Nação de Refugiados”. Satisfação por, em boa hora, o COI ter aceitado a sugestão de dois publicitários brasileiros, a residir nos EUA, de criar esta equipa; haver uma bandeira (ainda não reconhecida oficialmente pelo COI, mas com uma campanha apoiada pela Amnistia Internacional), a qual foi elaborada e proposta pela síria Yara Said (ela própria uma refugiada, a viver na Holanda), sendo cor de laranja o fundo da bandeira, com uma risca horizontal preta, que teve inspiração nos coletes salva-vidas usados por todos aqueles que, em condições de grande fragilidade, veem necessidade de atravessar o Mediterrâneo em busca de segurança na Europa; haver um hino, composto pelo sírio Moutaz Arian (também ele refugiado, a viver na Turquia), que não incluiu uma letra, propositadamente, por entender que a música, ao ser universal, “não precisa de ser traduzida”.
Senti tristeza, por todos os atletas incluídos nesta suposta nação não poderem representar os seus reais países de origem, em paz e nas mesmas condições dos demais atletas olímpicos.
Senti tristeza e preocupação pelo “simples” cruzar de punhos na meta da maratona, gesto feito pelo atleta etíope Feyisa Lilesa, medalha de prata na prova. Viria, de seguida, prestar declarações à imprensa, afirmando tratar-se de um protesto contra a repressão na Etiópia e um “sinal de apoio aos manifestantes do meu país que foram mortos pelo governo”, para completar: “talvez seja morto quando chegar, ou então preso”, deixando escapar [nas entrelinhas] que poderia ser mais um refugiado.

A delegação portuguesa foi a terceira maior de sempre em JO, sendo a maior de sempre no setor feminino. Só o facto de merecer o direito de estar nesta grandiosa competição e representar o país, é uma oportunidade, uma honra e motivo de orgulho, por ser apenas acessível aos melhores. Depois da recente vitória de Portugal no Campeonato da Europa de Futebol, os holofotes e a esperança estava em cerca de uma dezena de atletas portugueses, que têm revelado um alto rendimento nos últimos anos, medalhados em campeonatos europeus e mundiais. Em termos de resultados finais da participação portuguesa no JO, pode afirmar-se que se esperava mais; e pelo seu esforço e dedicação, bem mereciam. Numa das provas de canoagem, mesmo ao meu lado, ouvi o comentário: “Eia… só faltou um bocadinho!”. Naquele momento, intimamente, também foi isso que pensei. Curiosamente, vim a saber que o canoísta João Ribeiro (envolvido na prova) também disse que “faltou um bocadinho”. Na verdade, bastavam poucos milésimos de segundo para uma medalha em K2 1000 m.

José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico Português, assumiu total responsabilidade perante os resultados alcançados, que ficaram “aquém das nossas expetativas”, disse, uma vez que “dos três objetivos [traçados] apenas um foi cumprido”. Já José Garcia, chefe de missão, disse estar “extremamente orgulhoso” com a comitiva portuguesa, liderada por ele, e referiu que “o balanço é positivo”, realçando que esta “foi a melhor prestação de sempre em termos de resultados nos seis primeiros”, com dezanove atletas no “top 10” e dez entre os seis melhores.

O saldo da participação portuguesa, em termos de medalhas, ficou por uma de bronze, obtida pela Telma Monteiro, em judo, categoria de – 57 kg (cerca de cinco meses depois de uma lesão, que obrigou a uma operação ao joelho esquerdo, mostrando que é uma mulher com garra). Também, foram atribuídos dez diplomas olímpicos aos seguintes atletas portugueses: Emanuel Silva e João Ribeiro, 4.º lugar em canoagem / K2 1000 m; Fernando Pimenta, 5.º lugar em canoagem / K1 1000 m; Marcos Freitas, 5.º lugar em ténis de mesa; João Pereira, 5.º lugar em triatlo; equipa composta por Fernando Pimenta, Emanuel Silva, João Ribeiro e David Fernandes, 6.º lugar em k4 1000 m (batendo o recorde nacional); Ana Cabecinha, 6.º lugar em 20 km marcha; seleção olímpica de futebol; Patrícia Mamona, 6.º lugar em triplo salto (com recorde nacional, apesar de se sentir prejudicada pela excitação no estádio, com a atuação simultânea do velocista jamaicano Usain Bolt), e Nelson Évora, 6.º lugar em triplo salto (apesar das várias lesões que teve, desde 2012, uma delas com gravidade, que faz deste atleta um exemplo de tenacidade perante a adversidade); Nelson Oliveira, 7.º lugar em ciclismo /contrarrelógio. 

Como bom compatriota e amante do desporto, cheguei a pensar na alegria coletiva se retirasse 29,5 segundos à minha esperança de vida, e os pudesse transferir para benefício da performance de um reduzido número de nossos atletas olímpicos, nas modalidades de canoagem, triatlo e 20 km marcha. Bastaria meio segundo da minha vida para a prova de Emanuel Silva e João Ribeiro; dois segundos para a de Fernando Pimenta; sete segundos, para a prova da nossa equipa de k4; nove segundos para a de João Pereira; e onze segundos para a de Ana Cabecinha. A ser assim, hoje estaríamos profunda e egoisticamente orgulhosos dos nossos atletas, por ver Portugal subir no ranking das medalhas olímpicas. O saudoso professor Moniz Pereira, seguramente, seria um deles, ainda mais se o atletismo se destacasse.

Acredito que os atletas para obterem alta performance necessitam de talento, paixão pela modalidade, apoios e muito… muito treino. Com um pouco mais de apoio oficial, os nossos atletas terão estes ingredientes. Parece que “só faltou um bocadinho assim…”, mas da minha parte só posso dizer: Parabéns, atletas olímpicos!

© Jorge Nuno (2016)

Obs.: Crónica saída hoje na BIRD Magazine (criada na UTAD)

25/08/2016

Fogo Sentido

FOGO SENTIDO

Quero deitar roupa velha no fogo
Ver aquelas chamas transfiguradas,
Incandescentes brasas acossadas,
Estranhas sombras com quem dialogo…

Quero lançar as cinzas fumegadas
Às imponentes estrelas, a quem rogo
Ardentes respostas, quando interrogo
Sobre a paz e vidas iluminadas.

Sem distorção da minha identidade…
Como projeção de mero holograma,
Surge em mim, imagem da fé de um povo.

Num sentido retorno à claridade
Tal como bálsamo que se derrama…
Vejo emergir do velho, um homem novo.


© Jorge Nuno (2016)

15/08/2016

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (41): Crónica - Atletas Olímpicos, Paralímpicos e Trapaças



ATLETAS OLÍMPICOS, PARALÍMPICOS E TRAPAÇAS



Em plenos Jogos Olímpicos (JO), antecipo algo que me toca profundamente: os Jogos Paralímpicos (JP)! Num dos cartazes dos JP pode ler-se a seguinte mensagem: “Atletas paralímpicos: A pista é igual, a dedicação é igual. O objetivo é igual. Enfim, é tudo igual”.

Entendo que este Jogos “especiais” são o expoente máximo para pessoas com deficiência, seja física ou mental, já que são a oportunidade de uma vida. Tento imaginar o seu forte empenhamento pessoal, ao longo de anos, na prática de uma modalidade desportiva, para a qual terão talento e muita paixão, sempre com a esperança de conseguirem essa oportunidade. Tento imaginar o estupendo trabalho dos seus mentores e equipas de apoio, para os fazer sentir pessoas completas, apesar das suas deficiências. Tento imaginar os sonhos que irão carregar nas malas e que mantêm “vivos” estes atletas “especiais”. Tento imaginar a sua felicidade e dos seus familiares quando, em nome de Portugal (ou de outro país natal), recebem as merecidas medalhas.



Portugal participa regularmente nos JP desde 1984, embora a primeira participação seja de 1972. A cada quatro anos, a seguir aos JO, os atletas paralímpicos portugueses superam todas as expetativas, pois tem sido corrente conquistarem uma medalha por cada três atletas. Bem se pode afirmar que “estamos na elite do desporto para pessoas com deficiência”. No site do Comité Paralímpico de Portugal, além de apreciar o bom gosto da capa, que refere a frase “Igualdade, Inclusão e Excelência Desportiva”, fica-se a saber que participámos em 9 JP, com 264 atletas e já conquistámos 25 medalhas de ouro, 31 de prata e 25 de bronze. Fica-se também a saber que a distribuição das medalhas obtidas nas várias modalidades é a seguinte: 51 no atletismo; 24 no boccia; 9 na natação; 2 no ciclismo; 1 no futebol e 1 no ténis de mesa.



Ao fazer esta referência elogiosa à entrega e feitos desportivos dos atletas portugueses, portadores de deficiência, é evidente que a mesma será extensiva aos atletas de todo o mundo, nas mesmas circunstâncias e em igualdade de oportunidades. Daí estranhar, até certo ponto, que o Comité Paralímpico Russo (CPR) tivesse sido suspenso dos JO do Rio 2016, provisoriamente e como solução radical, pelo Comité Paralímpico Internacional (IPC), com base no Relatório McLaren. Este relatório foi elaborado por uma comissão independente da Agência Mundial Antidoping (WADA) e revela a existência de “doping organizado” na Federação Russa. O canadiano Richard Mclaren, responsável do relatório, refere o seguinte: “O Estado russo, através do ministério dos Desportos e contando com a assistência da polícia secreta (FSB) organizou, entre finais de agosto de 2011 e agosto de 2015, pelo menos um sistema que pode designar-se como metodologia de positivos que desaparecem para proteger os desportistas submetidos ao doping organizado”, fazendo constar que terão desaparecido 35 amostras no desporto paralímpico entre os anos mencionados. Deste modo, os atletas paralímpicos russos (na totalidade) ficam impedidos de participar nestes JP, que se realizam entre 7 e 18 de setembro de 2016.

 Tento imaginar como aqueles atletas se sentirão agora, ao ver cair por terra a possibilidade de participação. Ainda mais ao saberem que Philip Craven, responsável do IPC, terá referido que “esta situação não tem a ver com atletas trapaceiros, mas de um sistema estatal que trapaceia”.

Entretanto, o presidente do CPR, Vladimir Lukin, não concorda com a decisão, que considera “desumana” e “injusta” [para os atletas] e disse que vai recorrer para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS). Ficaremos a aguardar a decisão do TAS…



O cientista Ronald Evans, a desenvolver atividade no Gene Expression – Laboratory Genetics, nos EUA, afirmou que há medicamentos específicos [leia-se “drogas legais”], que “melhoram a circulação sanguínea, melhoram o oxigénio nos músculos, logo, melhoram a performance”, para rematar: “se não forem proibidos, os atletas usam-nos”.  

Uma das substâncias, considerada agora dopante, que viria a ser proibida a partir de 1 de janeiro de 2016, é o Meldonium, que viria a original um controlo positivo e o afastamento da tenista russa Maria Sharapova, impedindo-a de participar nestes JO. Curioso, no mínimo, é o facto do cientista Ivars Kalvins – licenciado pela Faculdade de Química da Universidade da Letónia, membro da Academia de Ciências da Letónia e inventor do referido “medicamento” – ter assegurado, em abril de 2016, que “os atletas masculinos tomaram a substância, não como potenciador desportivo, mas para melhorar o seu desempenho sexual”. Um estudo científico publicado pelo Centro Nacional para Informação Biotecnológica (NCBI) revela que o Meldonium provoca o “aumento da resistência dos atletas, o melhoramento na recuperação após os treinos e funciona como um anti-stress, melhorando ainda as ativações do sistema nervoso”.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou a uma estação de televisão russa, já depois de rebentar o escândalo, que este produto “não é uma substância dopante”, mas apenas “mantém em boa forma o músculo cardíaco, quando este é submetido a grandes esforços”.

Apetece dizer: mas se este ”medicamento” tem vindo a ser comercializado no mercado negro… certamente, não será apenas para fins medicinais!



Como seria fácil de prever, nestes JO não há tréguas, com tanta suspeição e acusação, relacionadas com doping. É o caso na modalidade de natação, com a nadadora russa, Yulia Efimova. Esta, tem antecedentes de doping, esteve inicialmente suspensa dos JO Rio 2016 e depois viu admitida a sua participação. Ao subir ao pódio para receber a medalha de prata, foi vaiada pelo público e, depois, criticada por vários atletas da modalidade, com destaque para a vencedora da final de 100 m bruços – a americana Lilly King – que referiu: “As pessoas que foram apanhadas com doping não deviam fazer parte dos Jogos”; e algo semelhante disse o mítico nadador Michael Phelps (que já ganhou 25 medalhas, sendo 21 de ouro).

Também o nadador chinês, Sun Yang, foi verbalmente atacado por um coro de protestos, após ter ganho a medalha de ouro nos 200 m livres e prata nos 400 m livres, de que é exemplo a frase do nadador francês, Camille Lacourt: “Enoja-me ver aldrabões no pódio”.



Outro caso preocupante – e que ainda vai dar muito que falar – centra-se na modalidade de ginástica artística e na estratégia usada para que atletas mantenham altura e peso baixíssimos para a idade. É disso que a China é acusada: forçar para que atletas não tenham um crescimento normal. Pegando apenas em 4 exemplos, com indicação do nome, idade, altura e peso de ginastas chinesas que obtiveram a medalha de bronze, por equipas: Wang Chunsong – 20 anos, 1,40 m e 35 kg; Wang Yan – 16 anos, 1,40 m e 33 kg; Tan Jiaxin – 19 anos, 1,48 m e 36 kg; Yilin Fan – 16 anos, 1,48, 37 kg.

Para ajudar a entender, registo a pesquisa feita pela Escola de Educação de Educação Física e Esportes, da Universidade de São Paulo, tendo como elemento de estudo 51 ginastas, ex-atletas de alto rendimento e respetivos familiares. O estudo revelou que “a grande maioria alcançou ou superou o potencial de estatura esperado”. O investigador, Raul Alves Ferreira Filho – que preparou a dissertação de mestrado sobre esta matéria e foi técnico de ginastas durante 15 anos – disse não haver “ligação entre a modalidade e problemas de crescimento. O que acontece é que as ginastas que são mais baixas por uma caraterística própria apresentam um biótipo mais favorável à execução dos movimentos (…) um físico de menor porte atende melhor às exigências da biomecânica para fazer alavanca e vencer a inércia.

A China, sabendo disso, tudo fará para manter a estatura das atletas, mesmo que seja contranatura, e assim conseguir lugares no pódio.



Trapaça atrás de trapaça, vaias quando soa o hino na hora de receber medalhas, acérrimas críticas aos prevaricadores por adversários, estratégias governamentais prejudiciais à saúde e ao desenvolvimento harmonioso do atleta… 



Atletas paralímpicos, ainda vão a tempo. Falta menos de um mês. Mostrem a vossa garra e a grandeza de competir de forma limpa. Está na hora de dar o exemplo e fazer acreditar no espírito olímpico!



© Jorge Nuno (2016)



  Obs.: Crónica publicada no sábado passado, dia 13-08-2016, na BIRD Magazine.