18/06/2016

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (37) - Crónica: "Loucos da Bola II"

LOUCOS DA BOLA II

Se é certo que as mudanças climáticas originaram atraso no desenvolvimento e colheita das cerejas, fazendo com que em época de Santos Populares ainda não as tenha provado, também é certo que os melões verdes vieram mais cedo. Foi ao findar a época futebolística, em meados de maio, com o verde a dissipar-se e a esboroar-se a esperança de sagrar-se campeão na última jornada. E também alguma polémica e dúvidas com melancias, que têm o verde por fora, mas são vermelhas por dentro. Recentemente, chegou uma nova remessa de melões, vinda de um país impensável – a Islândia. A fazer fé no slogan: “Não somos 11. Somos 11 milhões”, logo corrigido para “15 milhões” (com alguma irritação) pelo secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro. É que ele entende ser esse o número de apoiantes à selecção nacional de futebol, com inclusão dos emigrantes portugueses, daí que a remessa teve mesmo que ser imensa e obrigar a uma ponte aérea. 

Depois de tanto se falar em “fruta” e em “vouchers”, ao virar do ano, rapidamente se passou a comentar os proveitos futuros da SAD dos “três grandes”, com os meganegócios que estes anunciaram na CMVM, num atropelo de declarações dos respetivos dirigentes. Qualquer deles queria mostrar que o seu clube fez o melhor negócio de todos. Tratava-se da cedência dos direitos televisivos e multimédia, além da publicidade nos estádios e equipamentos. Os encaixes financeiros apregoados seriam de: 400 milhões de euros (M€) a médio prazo + 8 M€ de publicidade nos equipamentos por época, isto para o SLB; 457,5 M€ para o FCP e 515 M€ para o SCP. Passados três meses, ficou a saber-se, pela comunicação social generalista e desportiva, que os “três grandes” detêm 90% do passivo de todos os clubes dos dois maiores escalões do futebol profissional português, passivo esse que será de cerca de 727 M€. Um jornal económico precisava que, no final de 2015, o passivo dos “três grandes” era de 982,8 M€, pertencendo 44% ao SLB, o que vem confirmar que o tricampeão também é o campeão da dívida. Apesar de estes clubes terem baixado o passivo e reforçado o capital próprio, estes clubes ficaram mais expostos à vontade e interesses de terceiros. E se houvesse apertada vigilância do fair-play financeiro, por parte da UEFA, porventura a trapalhada ainda seria maior na próxima época. Mas a própria UEFA está sob fogo, com as declarações do ex-presidente da FIFA, Joseph Blatter, que diz ter testemunhado haver “sorteios fraudulentos” em provas da UEFA, utilizando “bolas quentes e bolas frias”, com colocação de algumas no frigorífico, antes do sorteio. 

Enquanto não rola a bola, a trapalhada persiste por cá. É a subida administrativa do Gil Vicente, após o tribunal ter demorado 10 anos para tomar uma decisão, mas com a direção da Liga a adiar a subida ao escalão superior; o pedido de impugnação da classificação da Liga NOS, feito pelo União da Madeira e a possível troca na descida com o histórico Vitória de Setúbal, por suposta utilização indevida de jogador; a esperada ida do Paços de Ferreira à Liga Europa, por troca com o Rio Ave (que nada tem a ver com o caso); a falta de regulamentação para que uma equipa acompanhe (ou não) o Gil Vicente, de modo a que o número de equipas seja par. A tudo isto, ainda se juntariam fortes penalizações, de consequências imprevisíveis, para todos os que não cumprem o citado fair-play. Os relatórios semestrais, que foram entregues na CMVM, indiciam haver motivos para muita preocupação. No início da época desportiva 2015/2106, o SLB tinha 212 M€ em empréstimos bancários, 45 M€ em empréstimos obrigacionistas e 50 M€ em emissões de papel comercial. Em época de defeso, os dirigentes têm bem com que se entreter! Mais do que pensar em reforços, ver-se-ão obrigados a vender ativos, que é como quem diz: “as jóias da coroa”. Numa visão otimista – e sem fazer fé nas palavras do presidente do SCP, que diz ter rejeitado a oferta de 80 milhões por um jogador, no mercado de janeiro –, certamente todos esperam que o passe dos jogadores se valorize ainda mais, com a participação nas várias selecções de futebol, que representam, apesar do valor exorbitante das cláusulas de rescisão já existentes. Apenas três exemplos: João Mário (SCP) – 60 M€; Imbula (FCP) – 50 M€; Lindelöf (SLB) – 45 M€.

Conhecendo a influência das seleções junto dos adeptos, também as marcas desportivas ficaram “loucas da bola”, ao procurarem impor-se no mercado. Das 24 seleções a disputar o EURO 2016 em França, a Adidas veste nove, a Nike seis, a Puma cinco, seguindo-se a Joma, Umbro, Macron e Errea, que equipam uma selecção cada. A Nike tem um contrato com a selecção portuguesa até 2108, no valor de mais de 28 M€, que permitiu investir na “Cidade do Futebol” em Oeiras, no futebol feminino e camadas jovens. Estima-se que a mesma marca pague ao nosso CR7 19 M€ por ano, que contribui para que seja o desportista mais bem pago no mundo (apesar de no Real Madrid vestir equipamento Adidas). A mesma Adidas tem contratos de muitos milhões com vários craques, indo, a título de exemplo, um bolo de 11 M€ para dividir pelos bolsos dos jogadores Pogba (Juventus), Bale (Real Madrid), e Ozil (Arsenal).

Logo que se ouviu falar que a selecção portuguesa gastaria € 16.000 por dia, em terras gaulesas, durante a presença no EURO 2106, surgiram as habituais críticas, quanto ao esbanjar de dinheiro. Mas só a presença no EURO vale à nossa selecção 8 M€; cada vitória na fase de grupos vale 1 M€; a passagem aos oitavos de final vale 1,5 M€; aos quartos 2,5 M€; às meias 4 M€; se for finalista vencido vale 5 M€; se for vencedor da prova arrecada 8 M€ e um total recorde de 27 M€. Segundo um estudo do IPAM, essa vitória final poderá ter um impacto económico em Portugal estimado em 609 M€, quando a UEFA espera gerar receitas de 500 M€, número recorde e superior em 200 M€ relativamente às receitas de há 4 anos.

Entretanto, por cá, uma fábrica de Vizela – a 4-Teams –, especializada em cachecóis desportivos, tem a exclusividade para o fabrico dos cachecóis das 24 seleções presentes no EURO. A laborar dia e noite, com o produto a preço de loja entre os 10 e 25 euros, dá para perceber porque esta empresa é líder mundial de vendas neste tipo de adereços, esperando faturar 4,5 M€ com esta prova.

Por lá, nas cidades de Marselha e Lille, voltou a sentir-se o efeito do hooliganismo, com o envolvimento de claques organizadas (e bem treinadas), demonstrando que o futebol é apenas um pretexto para praticarem atos de violência. Tendo a organização do EURO orçamentado 14 M€ para segurança, ela devia ser garantida ao primeiro sintoma. É frustrante saber que a UEFA apressou-se a desqualificar a Rússia, com pena suspensa, caso se viessem a verificar novos incidentes nos estádios, ficando-se pela aplicação de uma penalização de € 150.000. Sabe-se que a UEFA não tem jurisdição fora dos mesmos. Mas também se sabe que Vitaly Mutko, é o atual presidente da Federação de Futebol da Rússia, acumulando os cargos de ministro do Desporto, Turismo e Juventude e o de presidente do Comité Organizador do Campeonato do Mundo, que se realiza na Rússia, em 2018. É frustrante saber que a UEFA era conhecedora do fenómeno com claques na Rússia, com adeptos organizados, violentos e conotados com a extrema-direita e, juntamente com a organização do EURO, não inviabilizasse a sua vinda até França, numa altura em que este país está em convulsão, pela insegurança originada por atos de terrorismo, e ainda fica mais fragilizado. É frustrante saber que a UEFA sabe ser forte com os fracos, e vacila perante os fortes. Foi mesmo confrangedor saber que Igor Lebedev, membro da Federação de Futebol da Rússia e vice-presidente do Parlamento russo, terá manifestado apoio aos adeptos russos envolvidos nos atos de violência, a pretexto da “honra do país”, escrevendo no twitter: “Parabéns aos nossos rapazes! Continuem!”, num claro incentivo à violência em país alheio.

Para acabar, poderia parecer divertido mencionar, nesta já longa crónica, o facto do seleccionador alemão, Joachim Löw, ter sido filmado, no jogo de estreia do EURO, enquanto estava entretido com as suas “bolas”, mas o futebol é uma indústria e outros valores falam mais alto, que pelos números aqui relatados só me apetece dizer: “Não matem o Futebol!”

© Jorge Nuno (2016)
Obs.: Crónica saída hoje, 16-06-2016, na BIRD Magazine

04/06/2016

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (36) - Crónica: "Ser Padre Nesta Freguesia"

SER PADRE NESTA FREGUESIA

É comum ouvir dizer, e eu próprio o digo, que “não é fácil ser padre nesta freguesia!”, embora fosse mais adequado referir a paróquia. Sem grandes preciosismos, importa a ideia. Muitas vezes por trás do ato até estão as boas intenções, mas os efeitos produzidos acabam por ser perversos, dados a conhecer pelos media, sob a forma de notícias desagradáveis que se vão sucedendo, ininterruptamente, tanto nas capas dos jornais como no abrir dos telejornais, para alimentar a máquina e aquecer o ambiente, como o fazemos com as cavacas que, espaçadamente, vamos colocando na lareira.

Nesta perspetiva, vem à baila o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE), a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), e até o Banco de Portugal (BdP), que alertam para os riscos de Portugal estar na iminência de violar, no corrente ano, o Pacto de Estabilidade, que tem um teto de 3%. Apontam também para a necessidade de corrigir o défice, e parece só verem mais austeridade, como solução. Perante o mais que previsível incumprimento de Portugal, fica a pairar no ar a ameaça de penalização até 0,2% do PIB, que significa entre 360 a 370 milhões de euros e o congelamento de parte dos fundos estruturais, que deixariam de ser utilizados. Isto acontece quando o atual governo dá mostras de querer atenuar a austeridade, ao pretender devolver aos cidadãos parte dos direitos que lhes foram retirados (com o pretexto da necessidade de promover a austeridade no país, reduzindo a despesa do Estado).

É certo que aprendi, nas minhas aulas de Economia e na vida real, que os défices e dívidas públicas elevados impedem que haja crescimento económico. Qualquer um sabe, mesmo que nunca tenha frequentado a universidade, que não é recomendável gastar-se mais do que aquilo que se tem, ou, se o fizer, a margem de endividamento deve ser mínima, face aos rendimentos previstos. No caso concreto, a dívida pública portuguesa atingiu, em abril, a soma astronómica de 235,8 mil milhões de euros. Qualquer governante, cheio de boas intenções, pode sentir-se tentado em minimizar este enorme problema denotando um enfoque obsessivo no esforço de consolidação orçamental. A verdade é que mesmo assim continua a não se registar o esperado crescimento. E quanto mais se fala em crise mais a crise se torna evidente, menos confiantes ficam os investidores, mais desvalorizadas ficam as empresas cotadas em bolsa, aumenta o número de pequenas e médias empresas a encerrar a atividade, mais pobres ficam as famílias. À falta de ousadia e de tempo, aos sucessivos governos parece restar apenas a solução, bem comum ao longo de séculos, de aumentar a receita por via dos impostos, agravando ainda mais a situação.

Esquecem as três citadas primeiras entidades que se serviram de Portugal, como cobaia, para ensaiar modelos na aplicação de medidas corretivas que pusessem o país nos carris, com governantes “à medida” e apelidados, publicamente, de “bons alunos”. Esquecem que essas medidas foram indevidamente aplicadas num curto espaço de tempo. Esquecem que elas tiveram consequências gravosas na economia do país e na população, com aumento exponencial da pobreza entre a população mais vulnerável, levando a que mais de um milhão de portugueses ficasse no limiar ou abaixo do limiar da pobreza. Esquecem que as suas orientações e imposições para o sector bancário, a par de inadequada supervisão do BdP (como o foi nos casos BPP, BPN, BES e BANIF, a que se juntam empréstimos ao Novo Banco, Caixa Geral de Depósitos (CGD), Caixa Agrícola e Banco Comercial Português (BCP), teve custos altíssimos ao erário público. São tantos e díspares os números divulgados, relacionados com a ajuda pública ao setor financeiro, entre 2007 e 2015 que, ora se situa na casa dos 7,3% do PIB, significando que os portugueses já contribuíram para este “peditório”, para salvar bancos, com cerca de 8,5 mil milhões, ou na ordem dos 13 mil milhões (números divulgados por um jornal económico). Tal facto, exige um esforço anormal ao contribuinte, agrava a dívida pública, e faz aumentar o défice para valores preocupantes. Nos citados anos, de 2007 a 2015, a dívida pública foi agravada em 20,6 mil milhões (ou seja, 11,5 % do PIB) e continua essa tendência. Na calha já estão alinhados o Novo Banco, CGD e BCP, para receber mais dinheiro, direta ou indirectamente, dos cofres do Estado. Com as ações do BCP a menos de 2 cêntimos e meio, a perder valor constantemente e a cair 25% nos três últimos dias, é fácil ver o desfecho. A CGD, com capital maioritário do Estado e com respetivas orientações estratégicas, serviu de almofada a outros bancos, que tiveram perdas gigantescas. Agora, a CGD necessita, urgentemente, de ver-se recapitalizada em 4 mil milhões, para cumprir rácios de solvabilidade impostos pelo BCE e Comissão Europeia. O governo fica no dilema de, ao querer injetar esse capital, ir contra as regras da concorrência (que impedem a ajuda estatal, por ser considerada ilegal), e agravar o défice, fazendo-o disparar de 2,2% (numa visão bem otimista) para 4,3%. Sempre terá, eventualmente, a possibilidade de jogar com a dívida pública. De qualquer dos modos, o tratamento contabilístico mais favorável terá que ter concertação com a Comissão Europeia e estar sujeito a acérrimas negociações, mesmo que outros países que estão igualmente em derrapagem, como é o caso da França, tenha o descarado beneplácito de Jean-Claude Juncker (presidente da Comissão Europeia), que alega que a França terá tratamento diferenciado, porque é a França. Em jeito de balanço, da imprevisibilidade de há poucos anos, rapidamente chegámos ao definhar e desaparecimento de bancos em Portugal, que está a ser amargo para clientes particulares e empresas e para os contribuintes em geral.

Acredito nas boas intenções quanto à meta de cumprimento do défice, assim como aprecio o optimismo do primeiro-ministro e do presidente da república, que desvalorizam o facto de poder vir a ser preciso um orçamento retificativo. Sabe-se que para equilibrar as contas, ou aplicam-se estratégias para aumentar as receitas, e o investimento é uma das formas mais credíveis – veja-se o caso do investimento e da competitividade na Alemanha, que levou ao crescimento sustentado da economia e originou um superávite de 19,4 mil milhões de euros, no ano passado –; ou então, em alternativa, resta reduzir a despesa. Mas logo que se tenta reduzir a despesa, como aconteceu no Ministério da Educação, com a tentativa de reduzir a despesa com os colégios com contratos de associação, que têm propriedade e gestão privados e escolas públicas na proximidade, parece que o mundo caiu em cima do governo. Não é fácil ser padre nesta freguesia!


© Jorge Nuno (2016)

Obs.: Crónica (quinzenal), saída hoje na BIRD Magazine