21/05/2016

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (35) - Crónica "O Fascínio dos Museus ou "Noite nos Museus"

O FASCÍNIO DOS MUSEUS

Em 2006, com o surgir do primeiro filme intitulado “Uma Noite No Museu”, reforçado com os dois seguintes, muita coisa mudou na vida (por vezes pacata, descolorida e “às moscas”) dos museus. Nesse filme, um bom elenco de atores, de que fazia parte o saudoso e talentoso ator Robin Williams, no papel da estátua de cera de Theodore Roosevelt que ganhou vida, tal como todas as personagens presentes, animaram a noite de um segurança no Museu de História Natural. Essa fantasia, à mistura com ação, muitos efeitos especiais e um humor bem conseguido, fez com que as pessoas, que viram o filme, não mais olhassem para os museus como cemitérios de coisas do passado, que ficavam ali guardadas como se se tratasse de um arquivo morto.

Não deixa de ser estranho como demorou tanto tempo a compreender a necessidade de revitalizar esses espaços e a querer conhecer melhor os públicos que os frequentam, estudando o seu perfil e comportamentos, já que se trata de equipamentos com forte importância estratégica ao nível da cultura e do turismo, tanto localmente, como a nível regional e nacional. E é dentro desta estranheza que tivemos conhecimento da realização, há cerca de um ano, do primeiro estudo de públicos de museus em Portugal. Este estudo teve como principal objetivo “conhecer os públicos de 14 museus tutelados pela Direção-Geral do Património Cultural [DGPC]”, sendo esta “uma amostra representativa dos visitantes de museus nacionais” e “uma matriz para que os 146 museus da Rede Portuguesa de Museus sigam as novas diretrizes”, elaboradas com suporte nos resultados do estudo, tendo em vista a “definição de estratégias para captação e fidelização dos visitantes dos museus tutelados pela DGPC, bem como a implantação de políticas culturais que melhorem o acesso à cultura, aos museus e às suas coleções”. A meta era obter 30 000 respostas de visitantes, através de formulários on-line em computadores instalados nos próprios museus. Realizou-se entre dezembro de 2014 e dezembro de 2015, mas a meta ficou aquém. Mesmo assim, tratou-se de uma amostra significativa, com 13.583 respostas validadas, que deu origem a resultados interessantes. O tratamento de dados e análise de resultados esteve a cargo do Instituto Universitário de Lisboa / ISCTE. A divulgação foi feita há poucos dias pelo coordenador científico do projeto, numa conferência de imprensa no Palácio da Ajuda, com a presença do ministro da Cultura, numa data importante: o Dia Internacional dos Museus, que se comemora em 18 de maio.

Segundo o estudo, no período em que decorreu (com a duração de um ano), estes 14 museus tiveram um total de 1 232 258 visitantes, sendo que 640 804 eram cidadãos provenientes do território nacional e 591 454 eram provenientes de cerca de uma centena de países, o que significa que foram os estrangeiros – 53% – os principais frequentadores destes espaços culturais, ficando os portugueses pelos 47%. Quanto aos primeiros, destaca-se uma maior presença de franceses, como visitantes. Constatou-se, genericamente, como perfil dos visitantes, que: são as mulheres as mais entusiastas na ida aos museus; também as pessoas mais escolarizadas; há uma franja significativa de jovens (a partir dos 15 anos – idade a partir da qual era possível responder). Também indicia haver uma quase total satisfação com o acolhimento dos funcionários dos museus (98%). Fica a ideia que 37% dos inquiridos espera pelos dias em que há gratuitidade na entrada para efetuar a visita (uma possibilidade a não descurar por quem tem dificuldade em deixar de lado uns euros para investir em cultura) e, entre outros, ficam indicadores de insatisfação para correção, quanto a: divulgação nas redes socias e páginas web; informação sobre visitas guiadas; mais uns quantos aspetos que, ao serem corrigidos, podem contribuir para melhorar o grau de satisfação do visitante e contribuir para a fidelização em museus de proximidade, os quais vão disponibilizando exposições temporárias.

Pegando na ideia do citado filme, e porque hoje é oficialmente a “Noite dos Museus”, existe um variado leque de opções por todo o território nacional.
Certamente haverá um museu por perto… Que tal aproveitar para sair e experienciar uns momentos agradáveis e diferentes, como forma de quebrar a rotina? Quem resiste a este “cheirinho”?
- Bragança – Museu Abade de Baçal – 22h00: “Imagens e Sons no Museu” (concerto de banda de música, com animação e luzes);
- Faro – Museu Municipal de Faro – 21h30 e 23h00: “O Saco do Homem do Saque” (divertida encenação sobre os ataques das tropas inglesas há 420 anos);
- Guimarães – Museu de Alberto Sampaio – 21h30: “Assim Nasceu Guimarães” (viagem no tempo, através do teatrinho de sombras, entre outros programas);
- Lisboa – Museu da Água – das 18h00 às 23h00: “Os Fantasmas do Loreto” (visita na galeria subterrânea e animação histórica);
- Porto – Museu Nacional de Soares dos Reis – 21h30: “Um Olhar Sonoro Único – venha escutar pinturas e esculturas” (interpretação de vários tipos de gaitas de fole, acompanhado de outros instrumentos);
- Vila Real – Museu de Arqueologia e Numismática de Vila Real – das 15h00 às 18h00: “Memória Sustentável – Concerto e Documentário” (cantares e melodias dos grupos etnográficos da região, nas ruas, a partir do Museu da Cidade Velha);
- Viseu – Museu Nacional Grão Vasco – 21h00: “Banda Sinfónica do Exército” (concerto para comemorar o centenário do museu)
(…)
Como seria exaustivo descrever tão significativo número de eventos, incluindo os que se realizam em museus municipais e regionais, numa clara adesão a esta iniciativa em 2016, pode ler-se a programação geral na agenda do site da DGPC e aqui fica o respetivo link para consulta:
 Se não já não for a tempo de ir hoje à noite… nesta noite especial, há que visitar um museu num outro dia, pois são fonte de cultura e têm um fascínio irresistível.


© Jorge Nuno (2016)

Crónica saída hoje na BIRD Magazine, em que há "Noite nos Museus". 

07/05/2016

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (34) - Crónica: "Para Cá do Marão"

PARA CÁ DO MARÃO

O dito popular “Para lá do Marão, mandam os que lá estão” [na ótica de quem vive no litoral] poderá ter alimentado a ideia generalizada – e o ego de alguns transmontanos – com toda a carga simbológica que representa, que devido ao seu isolamento de longos séculos, com difíceis acessos, isso remetia-os para uma sensação de poder e de “independência”, sendo implícita a rejeição do poder centralizado da muito afastada capital do país. E foi esse poder centralizado que, por demasiado tempo, pareceu desconhecer a realidade e as necessidades “para lá do Marão”, agudizando o fosso entre o litoral e esta região do interior.

Em boa hora, em plena monarquia, nos anos de 1885 e 1886, o ministro Emídio Navarro, com a tutela das pastas das Obras Públicas, Comércio e Indústria, deu indicações para se avançar “com o estudo de todas os caminhos de ferro de via estreita na zona de Trás-os-Montes”, que viria a dar origem, anos mais tarde, às linhas do Douro, Tâmega, Corgo, Tua e Sabor. Foram obras gigantescas, em termos de esforço orçamental, para um país muito debilitado economicamente. Mas também é certo que foram obras que vieram facilitar a vida às populações próximas de tais vias e desenvolver a região e o próprio país, já que permitia o escoamento de variados produtos, com incidência nos produtos agrícolas e nos provenientes da extração mineira e florestal. Nos anos oitenta, do século passado, tudo se desmoronou, por opção política e desinvestimento neste tipo de infraestruturas, levando a novo retrocesso e a algum marasmo, aqui e ali com algumas iniciativas autárquicas pontuais dignas de registo, já em plena democracia, como que a querer reavivar a ideia do citado dito popular.

Foi este território apelidado de “Reino Maravilhoso”, pela mão e genialidade de Miguel Torga, que referiu nos seus escritos “(…) De repente, rasga a crosta de silêncio uma voz de franqueza desembainhada: Para cá do Marão, mandam os que cá estão!... [claro, na ótica de um transmontano] Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós? Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico porque o nume invisível ordena: - Entre!
A gente entra e já está no Reino Maravilhoso.”

Hoje, precisamente neste sábado, é inaugurada uma importante obra que fura, durante cerca de seis quilómetros, o “oceano megalítico”. Eu chamar-lhe-ia “encrespado e tortuoso oceano megalítico”, ao centrar a atenção na conhecida Estrada Nacional 15, quando tinha necessidade de a percorrer, acompanhando aquele serpentear na Serra do Marão. É certo que vai perder a importância estratégica que deteve durante imensos anos, e que deixarei de ver, lá bem no alto, aquela panorâmica inesquecível de cortar a respiração. Apesar das derrapagens orçamentais, das peripécias que levaram à suspensão das obras e a que tivessem uma duração final de sete anos…  também é certo que, a partir de domingo, o Túnel do Marão passa a ter um importante papel na aproximação entre o litoral e o interior transmontano, mesmo com a decisão das portagens definidas por quem está “para lá do Marão” [na ótica de um transmontano].

Acredito que, com este túnel, não fará mais sentido continuar-se a debater e a rebater: “Para lá…” ou “Para cá do Marão (…)!”

Outra coisa também acredito: quando atravessar o túnel no sentido Porto – Vila Real, irei lembrar-me sempre que estou a entrar no Reino Maravilhoso! E pensar como Torga: “Esta terra é a própria generosidade ao natural. Como um paraíso, basta estender a mão”.

© Jorge Nuno (2016)

Obs.: Crónica saída na BIRD Magazine, em dia de inauguração do Túnel do Marão