18/07/2015

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (14) - Estudos e Contradições

ESTUDOS E CONTRADIÇÕES

Habituei-me a olhar para a comunidade científica, ao nível da investigação, com muito respeito e até admiração; ainda mais pelos inúmeros prémios e reconhecimento internacional, particularmente em relação a jovens investigadores portugueses, com vários no patamar dos melhores a nível mundial, o que leva que este pequeno país seja considerado um país de grandes investigadores.

Julgo saber distinguir a diferença entre: estudos relacionados com investigação – a que aludi no primeiro parágrafo –, com pessoas e/ou entidades credíveis; recolha e tratamento de dados estatísticos, e apresentação de resultados, normalmente por entidades independentes, estando os seus membros imbuídos de uma cultura ética que confere credibilidade aos resultados obtidos; estudos científicos manipulados, indo ao encontro de quem promove esses estudos, na forma de cliente ou sponsor, algumas vezes camuflado de mecenas; evocação e realce de aspetos particulares dos estudos ou, pior, adulteração de dados, conforme circunstâncias do momento e conveniências políticas; e o meu próprio feeling, baseado na minha experiência de vida, com toda a subjetividade que isso acarreta, e crença na minha capacidade de ir à procurar de respostas e formular uma opinião pessoal.

Temos tendência a alinhar no senso comum – por parecer tão óbvio –, e por ser isso que se espera; mas fundindo muito do que acabei de referir, reparo que me sinto algo confuso com algumas conclusões provenientes de estudos diferentes, pelas evidentes contradições que nos chegam e pelo que o nosso olhar (mais ou menos) atento nos revela. De uma forma simplista, numa primeira abordagem poderia pensar em métodos e técnicas diferentes, a que recorrem pessoas e entidades diferentes. Mas vamos por partes…

Comecemos pelos investigadores. Chegam-nos relatos de muitos jovens investigadores que se sentiram “forçados” a sair do país, ou ficaram no desemprego, por não terem sido aprovadas as respetivas bolsas de investigação ou, sendo-o, foram-lhes atribuídas valores mais baixos do que o esperado, criando um natural desespero e um evidente acréscimo de dificuldades a quem sonhava fazer carreira nesta área, falando-se, com alguma insistência, num desinvestimento anormal na investigação. Segundo o estudo, com atualização recente (2015-06-26), baseado em dados da DGEEC/MEC – Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional e dados do INE – Inquérito ao Emprego, tendo como fonte a Pordata (da Fundação Manuel dos Santos), a proporção – em permilagem – dos investigadores em atividades de investigação e desenvolvimento (I&D), equivalente a tempo inteiro por 1000 ativos, foi sempre em crescendo de 1982 (0,9 ‰) até 2013 (8,2 ‰), com um ligeiro decréscimo apenas em 2012 (7,9 ‰). Tendo ainda como fonte a Pordata e a FCT, haverá 52.000 investigadores em Portugal, 322 unidades de investigação e foi de 80 milhões o valor das bolsas atribuídas nos últimos cinco anos.

Pobreza, abandono e obesidade. Tem soado o alarme em muitas autarquias, as quais vão tomando iniciativas avulsas, como seja: manter abertos os refeitórios das escolas em período de férias escolares, devido ao considerável número de crianças e jovens que passam fome. São preocupantes os números divulgados pelo MEC, com base no relatório da DGEEC, face às elevadas taxas de abandono dos cursos nas Universidades e ainda mais nos Institutos Politécnicos. Também algumas universidades efetuaram estudos; a Universidade do Minho aponta como algumas dessas causas de abandono: a atividade laboral  (não era suposto estarem a estudar?) e constrangimentos familiares (falta de recursos financeiros?). Segundo dados do INE, através do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (2014), existem mais de 1,96 milhões de portugueses em risco de pobreza. A responsável do Banco Alimentar contra a Fome anunciou que receberam alimentos 355.749 pessoas (em 2013), das quais cerca de 120.000 são crianças, que teriam passado fome se não se tivesse recorrido ao Banco Alimentar. A ONU, baseada em dados da UNICEF, alertou que em 2011 estariam 28,6 % das crianças portuguesas em risco de pobreza. Tendo como fonte a OMS – Organização Mundial de Saúde, a obesidade está a ser um problema sério tanto nos países desenvolvidos como nos emergentes, apontando que em Portugal têm peso a mais: 38% das crianças de 7 anos; 32% das que têm 11 anos; e 24,5% das que têm 15 anos. A mesma OMS, que tanto apregoa a virtude da Dieta Mediterrânica, deixou o aviso que Portugal, logo [estranhamente] a seguir à Grécia, é o segundo país europeu em que há maior prevalência de excesso de peso infantil. O estudo MUN – SI (2014) elaborado nos municípios de Viana do Castelo, Fundão, Oeiras, Montijo e Seixal, revelam que 44% das crianças estão “mal nutridas” e 4% apresentam “magreza extrema”, sendo que 39,4 % apresentam excesso de peso e 15,8 % são mesmo consideradas obesas, concluindo ainda que, na grande maioria, as crianças obesas eram oriundas de “famílias com rendimentos mais baixos”.

Desemprego jovem e trabalho precário. Segundo a CGTP, foi destruído um total de 617.000 postos de trabalho, entre 2008 e 2014. Os dados do INE apontam que terá havido um decréscimo de 298.000 pessoas empregadas, entre o 1.º trimestre de 2011 (em que se registava um desemprego jovem de 28%)  e o 1.º trimestre de 2015 (com aumento do desemprego jovem, passando para 34,4%). O INE indicou também que, no mesmo período, se agravou o desemprego de longa duração. Já o CIES – Observatório das Desigualdades, tendo como fonte Labour Force Survey (Eurostat), revela que, entre os 27 países da EU, Portugal situa-se em terceiro (a seguir à Polónia e Espanha) quanto à maior incidência de casos de trabalho precário, registando-se, no 1.º trimestre de 2010, cerca de 23,2 % dos casos entre trabalhadores por conta de outrem, agravado em 3% face a 2005, sendo que o trabalho precário jovem era de 54,6%. Daí para cá, há a perceção que a situação ainda se agravou mais, com o aumento da precariedade laboral de profissões qualificadas e a consequente desvalorização salarial e degradação das condições de trabalho. Entretanto, em 2015-07-13, o membro do Governo que tutela o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, referiu no Algarve: “Desde o início de 2013, e até hoje, conseguimos criar 175.000 novos postos de trabalho. Sobretudo, postos de trabalho com qualidade e efetivos”, dizendo também que “por cada contrato a termo [precário] são gerados três postos de trabalho permanente nos quadros das empresas”.

Festivas de Música no Verão. Neste cantinho à beira mar plantado, em período de estio e de férias (para quem tem ocupação profissional ou estuda), singram, um pouco por todo o lado, os festivais de música. Aponto alguns dos mais emblemáticos (passe a publicidade dos principais promotores): NOS Alive (Algés); MEO Marés Vivas (V. N. de Gaia); Vodafone Paredes de Coura; Sumol Summer Fest (Ericeira); Super Bock Super Rock (Lisboa); NOS Summer Opening (Funchal); Sol da Caparica; Marés de Agosto (Açores); Festival do Crato. De uma forma geral, são apelativos os programas apresentados em cada ano. Se tivermos em atenção que o público-alvo da quase totalidade destes festivais são os jovens, e que é relativamente elevado o valor de cada entrada (ou mesmo o pacote completo) face ao nível de vida dos portugueses, não podemos deixar de estranhar o sucesso destes festivais em tempo de crise, realçando, como mera exemplificação, o NOS Alive 2015, que com um mês de antecedência já não era possível comprar o passe de 3 dias e/ou o bilhete diário de 9 de julho – por ter esgotado – com uma assistência de 55.ooo pessoas, sendo os bilhetes dos restantes dias a € 55 /cada. Estranha-se ainda mais, por ter acabado agora esse festival e já estarem à venda os bilhetes para o NOS Alive 2016 – com um ano de antecedência – ficando o bilhete diário por € 56, e o passe de três dias por € 119. Fico perplexo! Se calhar… o membro do Governo que tutela o dito ministério terá razão; será por haver tantos novos postos de trabalho, com qualidade e na situação de efetivos nos quadros das empresas que tudo isto é possível!

© Jorge Nuno (2015)

04/07/2015

CRÓNICAS DO FIM DO MUNDO (13) - No Melhor e No Pior

NO MELHOR E NO PIOR

A história poderia acabar na cerimónia, com o padre a dizer – “Na presença da família, dos amigos e de Deus eles irão trocar os seguintes votos: que se apoiarão mutuamente a partir de hoje, na riqueza e na pobreza, no melhor e no pior, na saúde e na doença (…)” –. Desculpem se vos transmiti essa ilusão, mas esta crónica não se baseia numa história que acaba em casamento; que regra geral começa bem e tantas vezes acaba mal; ou, embora menos frequente, que começa mal e acaba bem!
Também não terá a ver, unicamente, com excessos ou defeitos de interpretação decorrentes da nossa personalidade e do nosso modo de olhar; por isso é que terá surgido o rótulo de pessoas otimistas e pessimistas. Sobre estes, muito novo, aprendi que “os otimistas são patetas alegres” e “os pessimistas são patetas tristes”, embora passado 50 anos apenas não tenha dúvidas: que os pessimistas são patetas tristes; e que eu continuo a não gostar de ver atribuídos rótulos em pessoas.
Indo direito ao assunto, sem mais demoras, esta crónica aborda, sumariamente, alguns feitos de que somos capazes – “no melhor” – e que nos faz sentir uma pontinha de orgulho, mesmo que diretamente o esforço não seja nosso, assim como aqueles aspetos que deixam um sabor amargo, por representarem o lado negativo e nos colocarem numa posição delicada, por oposição – “no pior” – onde, mais uma vez, não deixamos indícios de ter feito qualquer esforço direto para evitar.
Recentemente, fiquei muito agradado por saber que:
– O Mercado do Livramento, em Setúbal, foi incluído pelo USA Today na “lista dos mais famosos mercados de peixe do mundo”;
– Através do “Readers’ Choice”, em “10 Best’s” – uma divisão do mesmo USA Today –, por votação, Portugal foi escolhido como o melhor país europeu;
– Segundo The Gardener’s Garden, da Phaidon Press, há cinco jardins em Portugal entre os melhores 250 jardins do mundo, sendo eles: Serralves, no Porto; Palácio da Fronteira, em Lisboa; Quinta da Regaleira, em Sintra; Quinta do Palheiro, no Funchal e o Parque Terra Nostra, nas Furnas, Açores;
– Foi aprovado pela UNESCO a criação da Reserva da Biosfera, após candidatura conjunta englobando as regiões de Bragança, Zamora e Salamanca; será considerada a maior reserva transfronteiriça da Europa e equivale a ter “um selo de qualidade”, pelo uso e preservação da biodiversidade;
– O jornal online norte-americano The Hufftington Post, através da sua secção de viagens, considerou o Douro o melhor itinerário turístico fluvial da Europa;  
– A cidade do Porto foi eleita, por dois anos seguidos, o Melhor Destino Europeu; foi também colocada, pelo Finantial Times, na lista das dez cidades do sul da Europa mais atrativas para o investimento estrangeiro;
– O chairman e fundador da Fosun – de nome Guo Guangchang – terá influenciado os investidores, particularmente chineses, ao considerar Portugal como melhor país da Europa para investir;
– Cinco treinadores portugueses brilharam ao sagrarem-se campeões nos respetivos campeonatos nacionais de futebol, na época 2014/2015, pelo Chelsea (Inglaterra), Basileia (Suíça), Zenit de São Petersburgo (Rússia), Olyimpiakos (Grécia) e S. L. Benfica (Portugal);
– Três atletas portugueses brilharam ao serem considerados: o melhor jogador de futebol do mundo, pela 3.ª vez (pela FIFA); o melhor jogador de futsal do mundo, pela 2.ª vez (através de votação no Site Futsal Planet) e o melhor jogador de futebol do Europeu Sub-21, em 2015 (através de um painel de especialistas da UEFA);
– Portugal esteve no pódio dos Jogos Europeus de Baku, Azerbaijão, em diversas modalidades, obtendo dez medalhas: ouro – nas modalidades de Ténis de Mesa, Taekwondo e Judo; prata – em Triatlo, Tiro e Canoagem K1 1000 m e 5000 m; bronze –em Futebol de Praia, Taekwondo e Trampolim Sincronizado Feminino;
– Um grupo de investigadores portugueses foi premiado por terem vindo “a desenvolver estratégias de luta contra a infeção por VIH (escolha efetuada por um vasto painel de cientistas internacionais que integram o programa “Partnering for Cure”);
– Uma investigadora portuguesa, da Universidade de Coimbra, viu atribuído, em Roterdão, um prémio internacional pelo seu trabalho de “investigação sobre a osteoporose após a menopausa, devido à redução dos níveis da hormona estradiol”;
 – Um inventor português foi premiado, com a medalha de ouro, na 43.ª edição do Salão Internacional de Invenções de Genebra (o mais importante do género em todo o mundo), ao criar um sistema que permite ajudar os invisuais a atravessar as passadeiras, sem semáforos e com recurso ao telemóvel.
Quanto ao “pior” (porque a crónica já vai longa) relato apenas duas situações:
– Segundo um relatório da ONU, com previsões para 2015, aponta que “Portugal vai ter a segunda pior taxa de fecundidade do mundo”, apenas será ultrapassado pela Bósnia-Herzegovina, sendo que esta previsão pode agravar-se por não ter em conta a forte emigração de jovens portugueses;
– Segundo a ONG Transparency Internacional (TI), baseando-se no Índice de Perceção de Corrupção de 2014 (o último conhecido), que engloba 175 países, Portugal é um dos países preocupantes, encontrando-se ao nível do Botswana, Chipre e Porto Rico. Comparativamente com os países europeus, consegue ser mais transparente do que a Itália, Grécia, Hungria, República Checa, Polónia e Roménia, com o senão de neste ranking ainda não estarem refletidos os casos: “Visto Gold”; “Duarte Lima e “José Sócrates”. Paralelamente, surge a informação que “Portugal é o 25.º país do mundo onde é mais fácil fazer negócios” e onde “funcionários de empresas públicas são os que mais aceitam subornos internacionais”. 
Entretanto, vou ouvindo comentários jocosos, do tipo:
– Ah... não acredito que o mercado de peixe em Setúbal seja um dos mais famosos do mundo; alguém deve ter dado uma caixa de robalos ao jornalista!
– O chinês lá sabe a razão que o leva a dizer que Portugal é muito bom para investir!
– Alguém no Porto anda a untar as mãos ao que escreve para o jornal.
(…)
Tantas vezes somos nós próprios a desacreditar as coisas boas que temos em Portugal, que não valorizamos, mas que são realçadas por outros olhares, vindos de fora. Tantas vezes nem damos conta do mérito dos portugueses, ou se damos, reagimos com indiferença ou com uma pontinha de inveja. Tantas vezes deixamos passar, impunemente, atos reprováveis, e na nossa habitual bonomia… até ficamos com pena dos prevaricadores e à espera de um bom desfecho; mas se os inquéritos são arquivados ou os processos judiciais ficam em “águas de bacalhau”, dizemos, aparentando um ar zangado – Isto é sempre a mesma coisa!... Eles safam-se sempre!
Ao longe ouvem-se uns cães a ladrar e continua a marcha, com o “siga a rusga”, tal como nas noites de São João.

© Jorge Nuno (2015)