29/01/2014

Sonho ou Pesadelo?



Sonho ou Pesadelo? - óleo s/ tela, 70x30, Jorge Nuno (2014)


Num certo momento da vida, não e a esperança a última a morrer, mas a morte é a última esperança.

Leonardo Sciascia (1921 – 1989)
Escritor, colaborador de diversos jornais e revistas, ensaísta e político italiano (membro do Parlamento Europeu). Com uma vasta obra de mais de 40 volumes, os seus romances iniciaram com uma sátira ao fascismo e continuaram a tendência de crítica ao poder arbitrário e à corrupção política.

SONHO OU PESADELO?

Sob o céu mesclado
Em fim de tarde perene
Ouve-se marulhar permanente
De um mar agora sereno,
Sente-se a maresia ardente
De partículas de iodo e sal
E a areia húmida,
Que se banha a cada instante,
Faz de cama a um corpo inerte.
Será sonho de desejo?
Fica-se a imagem
De um soltar de coração
Revendo em turbilhão
O que na intimidade
Não consegue exprimir.
Será de libertação?
Não sei se há coragem,
Escape do subconsciente,
Uma atrofia da mente
Prestes a explodir.
Será de precognição?
Que futuro foi previsto,
Com ou sem aceitação,
Na perfídia do sonho
Que virou "pesadelo"…
Ou última esperança
Em viagem de corpo ausente?



© Jorge Nuno (2014)

28/01/2014

Regresso a Casa



"Evasões III" - óleo s/ tela  50x40, Jorge Nuno (2011)

(…) é preciso força pra sonhar e perceber que a estrada vai além do que se vê.

Marcelo Camelo (1978 - …)
Cantor, poeta, compositor e músico brasileiro, integrou a banda de rock alternativo “Los Hermanos”, de 2001 a 2007, com voz, guitarra e baixo, prosseguindo depois a carreira a solo. A frase citada consta da sua canção: “Além do Que Se Vê”.


REGRESSO A CASA

Vislumbrei a estrada larga,
Crença de um bom caminho,
Com belo mapa de vida
Elaborado por mim.
Do útero fiz-me à estrada…
Sensação de déjà vu.
Quando o troço a percorrer
Não parece o projetado,
Há levianos descuidos,
Quaisquer memórias perdidas,
Percalços na caminhada
Ou estou equivocado.
Mas posso corrigir rotas,
Parar para descansar…
Escolher de seguida
Cinco pontos de saída
Com atraso na chegada.
E mantenho a consciência
Que estou sempre a caminhar,
A caminhar… caminhar…
No meu regresso a casa.


© Jorge Nuno (2014)

26/01/2014

Noite dos Amantes

O sorriso custa menos que a eletricidade e dá muito mais luz.

Provérbio escocês


NOITE DOS AMANTES

Noite, o sortilégio dos amantes,
Que acolhe o frémito deambular
Numa peregrinação sem cansaço
Ao bar de alterne do Fialho,
Por quem se ousa embrenhar
Em loucos rituais de acasalamento
E estranhas e intrépidas orgias.
E logo eu, com porte de talhantes,
Assisto impávido a este espasmar.
De segurança noturno não passo,
Sou uma carta fora do baralho,
Nem sequer posso bebericar…
E relevo este meu tormento
Desfasado da minha mulher a dias.


© Jorge Nuno (2014)

24/01/2014

Oops!

Oops! - óleo s/ tela 40x40, Jorge Nuno (2007)

Não é a ilusão, para o pensamento, uma espécie de noite que povoamos de sonhos? A ilusão abre então as asas, transportando a alma para o mundo da fantasia.

Honoré de Balzac (1799 – 1851)
Escritor e dramaturgo francês, fundador do Realismo na literatura moderna. A frase citada provém da sua obra “A Bolsa”, tal como: não devemos julgar as pessoas pelas aparências e esta sua obra lança uma luz bem surpreendente sobre o mundo da pintura.

OOPS!

Desnuda, sentes-te livre
E eu um inesperado voyeur.
A tua mão, hirta,
Devolve-me parte da espuma
Do copo a transbordar de amor
E eu, inconscientemente,
Levo a mão à boca.
No aroma do teu corpo
Encontras resquícios
De fragrância fougère
De lírios do vale
E eu, no meu, o odor
Do suor de prazer.
A tua pele suave
Reflete o teu próprio brilho
E eu deixo-me ofuscar por ele…

Enquanto te tocas suavemente
E eu vivo inesquecíveis sensações,
Ouço uma voz interior a sussurrar:
“Parece o filipino… parece o filipino!...”
Hesito… Não acredito que desnuda
Não sejas quem eu penso!
Oops! Será que és mesmo o filipino
Ou serás um ser andrógino?

© Jorge Nuno (2014)


23/01/2014

Dupla Face do Espelho

Por vezes as pessoas não querem ver [nem ouvir] a verdade porque não desejam que as suas ilusões sejam destruídas.


Friedrich Nietzsche (1844 1900)
Filólogo, filósofo, compositor, professor universitário, poeta, crítico cultural e autor alemão, que adotou nacionalidade suíça, tendo vasta obra literária publicada, sendo a mais conhecida: “Assim Falava Zaratustra”.

DUPLA FACE DO ESPELHO

Há sabotagem, visível!
Tantas vezes. De mais!...
Solta-se um grito psíquico,
Sonoro, audível!
Aparenta desastre pessoal.
Se olhar melhor
A dupla face do espelho,
Como num sonho dentro de outro,
Há como que um fluxo 
E refluxo constante de imagens
Trazidas pela ilusão,
Feita necessidade,
E pelo veneno da memória
Como que a chamar à razão.
No ponto crítico de escolha,
Embaraçado,
Vejo que o grito saiu de mim,
Mas nego o grito
E até nego o embaraço…
Aquele não sou eu,
Aquele não devo ser eu,
Aquele não posso ser eu.
Sei, intimamente…
Ao aceitar-me como sabotador,
Sem autoacusações,
Retirarei força à expiação
Aceitando as cicatrizes
Sem as exibir,
Sem relevar as suas causas.
Olhando em profundidade
Despido de preconceitos,
Sem esconder o que receio ver,
Sem evitar a dor emocional,
Sem preocupação com a vulnerabilidade
Nem com o olhar enviesado de outrem.
Sei que não há viagens
Em avião supersónico
Ou comboio de alta velocidade
Que me leve rápido ao paraíso,
Nem GPS que me indique esse caminho.
Mas posso anular 
A perversão de identidade,
Reconciliando mente e espírito,
Como posso usar
A joia radiosa da verdade,
Fortalecer o “eu” interior
E, em processo de aprendizagem,
Criar alegria que perdure,
Já que ao olhar
O meu “eu” verdadeiro
Aceito e desvalorizo o meu lado negro
E torno visível e abraço
O meu lado divino.

© Jorge Nuno (2014)

22/01/2014

Mapa de Vida

Costumo pensar que as pessoas caem num dos três grupos: o daqueles que em nada acredita para além dos seus cinco sentidos, o dos que estão abertos à possibilidade de poder haver mais qualquer coisa para além desses sentidos e o dos que acreditam na existência de alguma coisa mais.

Eric Pearl ( ? – …)
Médico quiroprático norte-americano, um dos mais importantes curadores da atualidade, introdutor do conceito de “Cura Reconectiva” e autor de obras literárias neste âmbito.


MAPA DE VIDA

Posso sentir o pulsar
Do relógio biológico
Que marca o tempo
Do tempo que me parece fugir
Num espaço difícil de entender,
Posso fazer por dissipar
Pesadas emanações fluídicas,
Afastar estranho orgulho
Do que se pensa saber
E ultrapassar a ignorância
Que nem se tem conta.
Tal como lembrança onírica,
Creio apenas entender
Que os cinco sentidos não chegam
Para aferir a realidade
E ganhar consciência
Que tempo e espaço
Nada significa
Perante o oculto mapa de vida
Que dá pistas, orienta e me liga,
Como cordão umbilical,
A correntes de energia
Em afinidade vibratória,
Reconectando-me
Ao circuito de convivência cósmica,
Mantendo eterno e evolutivo
O meu currículo existencial.


© Jorge Nuno (2014)

Eu Sou a Fonte

O relacionamento é uma estrada de duas vias. Não se trata apenas de receber e dar e receber o que queremos, também é sobre dar. Eu gosto de dizer que cada pessoa devia ser 100% responsável pela qualidade do seu relacionamento. Se só tivermos 50 – 50, quando algo não funcionar, serão os 50% do seu companheiro que não estão a funcionar (…)”.

Jack Canfield (1944 - …)
Autor e orador motivacional norte-americano, cocriador de “Canja de Galinha para a Alma”, bestseller com cerca de 112 milhões de cópias em 40 línguas diferentes.


EU SOU A FONTE
 
Tenho o poder de criar,
De fazer jorrar
Da fonte do meu ser,
Alegria, felicidade e plenitude,
Para experienciar e partilhar
Mesmo que aquilo que crie
Esbarre na incompreensão
Ou falta de entendimento,
Como se não fosse sensato
Sentir e vivê-las.
A alegria está em mim,
Retira o vazio,
Preenche um espaço,
Fica comigo, na intimidade.
Ao irradiar felicidade
Recrio a fonte cristalina
Que jorra com mais vigor.
Não faço contas
Do tipo “deve – haver”.
Sei que apenas recebo
O que estiver disposto a dar
E que, dando ao outro,
Preencho em plenitude
Toda a minha existência.


© Jorge Nuno (2013)

Naufrágio (Com Norte)

A maior glória de viver não está em jamais cair, mas em levantarmo-nos de cada vez de cada vez que caímos.

Nelson Mandela (1918 – 2013)
Advogado dos direitos humanos, líder da resistência não-violenta, prisioneiro e presidente sul-africano, considerado como o mais importante líder africano, Pai da Pátria [África do Sul livre] e um dos maiores líderes morais e políticos de nosso tempo. A ONU instituiu o Dia Internacional Nelson Mandela, como forma de valorizar em todo o mundo a luta pela liberdade, pela justiça e pela democracia. 
Obteve o Prémio Nobel da Paz (1993).


NAUFRÁGIO (COM NORTE)

Tendo perdido o norte
Fruto de derrapagem,
Deixei-me levar pelo mar
Tal era a minha mágoa.
Vi um corpo a flutuar
Prestes a naufragar
Em mar alto tortuoso.
Vi olhos lavados pela água,
Alma purificada pelo sal,
Vida que deixou aviso,
Que deu uma resposta,
Um ponto de viragem,
Momento de aprendizagem
E conforto angelical.
Afinal, o mar do desnorte
Sempre foi generoso:
Devolveu-me à costa,
Com novo modo de olhar,
E ao pisar o areal
Vi que esboçava um sorriso,
Vi que estava mais forte.


© Jorge Nuno (2014)  

18/01/2014

O Loiro de Massarelos



Viva, ria e ame. Brilhe como a estrela que é.

                                                 Greg Heart



O LOIRO DE MASSARELOS



Está na casa dos trinta

Um loiro de médio porte,

Uma figura apagada.

A timidez bem o finta

A este rapaz do norte,

Ainda sem namorada.



Trabalha na Fundição

Percebendo do metal

Que faz os muitos talheres.

Fechou sempre o coração

Nem viveu amor carnal…

Nem percebe de mulheres.



Ouviu na rua Vilar

Um piropo da vizinha

Que faz corar qualquer um:

“Oh febra… bais debágar…

Tu tães tãota carninha

E eu aqui em jejum!”



E continuou na rua

Com seu forte desafio

Que o fez atrapalhar:

“Habias de me ber nua,

Isto num cheira a bafio…

E não te bais lamentar!”



Meteu-lhe o braço a preceito,

Qual casal a passear

E ele ficou sem voz.

Via-se que tinha jeito…

No chaço viu-se levar

Conduzida até à Foz.



De tanto olharem o mar…

Cansada de estar em branco

Diz-lhe com ar destravado:

“Hoube lá!... Tães c’abãoçar!

Nãe q’encoste aqui o bãoco,

P’ra ficar em rebuçado!”



Quando ouve em avançar,

O loiro de Massarelos

Mete a mão na manete.

Ao joelho vai parar

Sobre collants amarelos…

Dá um “ai” a Graciete.



E no calor do momento…

“Bês, carago!... Tu abãoça!...

Bêe… num importa p’ra onde!”

Põe o carro em andamento

E diz ele, sem pujança:

“Bamos a Bila do Conde?”



© Jorge Nuno (2014)